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"Compliance será a gestão de riscos para o partido na hora de receber doações"

Publicado em: 26/02/2018 11:02

PENTE FINO

Compliance será a gestão de riscos para o partido na hora de receber doações”

Por Fernando Martines

A nova realidade partidária exige transparência tanto das legendas quanto dos comitês de campanha e dos candidatos. Por isso são cada vez mais essenciais mecanismos de controle da forma como o dinheiro do Fundo Partidário entra e é gasto pelas agremiações. O advogado André Castro Carvalho, especialista em compliance, sugere que sejam adotadas moedas virtuais e sistemas de blockchain para que os registros das movimentações financeiras sejam seguros e à prova de fraudes.

Pode parecer futurista, mas facilitaria a fiscalização e colocaria os partidos no mesmo ritmo que as empresas, avalia o advogado, em entrevista à ConJur. O mercado já usa sistemas de blockchain em suas políticas de auditoria, justamente porque eles são de gestão compartilhada e registram automaticamente qualquer movimentação ou alteração de seus registros. São bancos de dados coletivos à prova de escamoteamentos.

Especializado em compliance, Castro Carvalho está tentando vender seus serviços a partidos políticos. Já conversou com três siglas e aposta que a preocupação das legendas vem crescendo. O Partido Socialista Cristão já anunciou a contratação de um serviço de compliance para auditar suas contas.

Antes da empreitada no território eleitoral, Castro Carvalho trabalhou na Ásia, América e Europa para o HSBC. Sua função era ensinar as melhores práticas de compliance para funcionários em nível gerencial. Estes, por sua vez, repassam aos subordinados o que foi ensinado.

Leia a entrevista

ConJur — Existe um compliance eleitoral?
André Castro Carvalho  — O começo do que entendemos agora como compliance eleitoral veio com a Lei Anticorrupção em 2013, a 12.846. Nela ficou estabelecida a responsabilidade administrativa para as pessoas jurídicas. E então surgiu a questão: isso seria aplicado aos partidos? São pessoas jurídicos, por isso tem gente que entendi que sim. Mas a maioria entende que não se aplica, pois o partido tem atividades e interações específicas que não batem com a lei. Então teria que ter uma lei específica para partidos.

ConJur  — E temos?
André Castro Carvalho  — 
Não, hoje a gente não tem nada sobre a questão de integridade em partidos políticos. Em 2017, o senador Ricardo Ferraço (PSDB-ES) apresentou um projeto de lei (PL 60/2017) para que seja aplicável a Lei Anticorrupção aos partidos. Mas esse projeto não foi votado. Ficou com relatoria do Antonio Anastasia (PSDB-MG), que então apresentou o PLS 429, que não fala da Lei Anticorrupção, mas sim cria uma lei específica de integridade.

ConJur  — O que diz o projeto do Anastasia?
André Castro Carvalho  — 
É muito inspirado no artigo 42 do Decreto 8420, que estabelece os parâmetros para um programa de compliance. No caso dos partidos, as doações, por exemplo, teriam que ser vistas com mais rigor. Uma pergunta deverá sempre ser feita: qual é o beneficiário final dessa doação, a pessoa física ou a pessoa jurídica? Então seria necessário registrar a informação de quem doou, se essa pessoa é sócia de uma empresa, qual a porcentagem que detém.

ConJur  — O setor de compliance teria poder de veto?
André Castro Carvalho  —
 Seria gestão de riscos. O partido pode aceitar, só que eventualmente isso pode sair na imprensa, então pode causar dano à imagem ou o TSE pode iniciar alguma sanção administrativa. O compliancenão fala o que pode e o que não pode. Ele ajuda a tomar decisões sabendo do risco. O responsável pelo compliance não pode vetar ações, pois isso afetaria a liberdade partidária, que é garantida na Constituição.

ConJur  — Como esse sistema se dividiria em nível municipal, estadual e nacional?
André Castro Carvalho  — 
Outro ponto interessante desse projeto do Anastaia é que de nada adianta o diretório nacional estruturar um belo plano de integridade se os diretórios estaduais e os municipais não estão nem aí com o peixe. Então ele coloca como infração não ter um programa de integridade, o que na Lei Anticorrupção não tem. A conseqüência é não receber as verbas do fundo partidário. Isso não vai afetar o partido como um todo, mas aquela unidade fica proibida de receber dinheiro, e daí tem que ter o controle nacional e estadual de quem faz os repasses para evitar que o dinheiro chegue lá. O MDB, maior partido, deve ter por volta de três mil diretórios municipais. Imagina controlar isso? Então esse é um modo dos diretórios estaduais e municipais fazerem seus programas de integridade.

ConJur  — Qual o papel do advogado nesse cenário?
André Castro Carvalho  — 
Deve haver uma sinergia entre o advogado eleitoral, que conhece os processos internos de partido, com o advogado corporativo da área de compliance. Este conhece a estrutura empresarial e tem uma visão também empresarial naquilo que for possível ao partido. Se eu sou uma construtora, um alto risco é eu contratar uma empresa que a filha do prefeito é dona. Se eu sou um partido, o alto risco é contratar uma gráfica, porque é utilizada para fazer caixa dois. Então você tem que falar: “Esse aqui é um alto risco? Então tem que ter uma aprovação, não só minha, mas de um tesoureiro ou de mais alguém”. Vai estabelecendo controles para evitar as falhas.

ConJur  — Como se cria um canal de denúncias no partido?
André Castro Carvalho  — 
Tem duas formas. Ou coloca aberto a todo mundo ou apenas para quem é do partido. Aberto é inviável, pois alguém de um partido pode fazer uma denúncia falsa no canal do outro, e isso gera custo, analisar a denúncia, apurar. Cada partido pode estruturar os filiados a usarem o canal.

ConJur  — O que é parecido e o que é diferente entre o compliance de uma empresa e o de um partido?
André Castro Carvalho  — 
A empresa tem empregados e não filiados. Na hora da seleção é possível fazer uma investigação, ver se tem algum processo, deixar de contratar. O filiado já é mais difícil. Apesar de os conceitos de empresa e partido serem diferentes, se aproximam na ideia de saber com quem você está lidando. É o processo chamado “know your employee“, conheça seu empregado.

ConJur  — Mas o estatuto do partido pode definir quem pode se filiar?
André Castro Carvalho  — 
Sim, pode criar parâmetros. É ali que os valores serão regidos. Se eu sou um partido cuja bandeira é a ética, posso definir no estatuto que não aceito filiado com ficha suja, por exemplo. Não se é obrigado a aceitar um filiado se os seus valores não coincidem com o que aquele filiado representa. O estatuto também tem muito mais um caráter misto de também prever questões éticas, o que em uma empresa se faz em um código de conduta. De repente o estatuto pode representar esse documento único, até para facilitar.

ConJur  — Que ideias vêm sendo aventadas para dar mais transparência ao processo eleitoral?
André Castro Carvalho  — 
Um assunto que vem gerando discussão é a questão do dinheiro utilizado do Fundo Partidário. No escritório temos debatido a ideia de se utilizar blockhain para essas coisas. Com este tipo de moeda, o registro das transações é completo, de onde o dinheiro veio, para onde foi. De repente o TSE poderia não distribuir um dinheiro real, mas uma criptomoeda pública e todo mundo poderia acompanhar a movimentação. É muito futurista, mas temos visto como uma possibilidade de dar mais transparência no dinheiro que é utilizado e principalmente para evitar o caixa dois.

ConJur  — Compliance, então, se resume ao controle do dinheiro que entra e sai dos partidos?
André Castro Carvalho  — 
Atualmente, sim. Confunde-se muito com controle interno contábil, o tesoureiro que se preocupa porque ele é responsabilizado. Agora, o compliance seria mais amplo, é o controle das atividades do partido para que as pessoas não falem o nome do partido para fazer atos antiéticos. Ainda não está nesse patamar, mas a legislação está tentando trazer esses aspectos.

ConJur  — O senhor trabalhou na política de compliance do HSBC. Pode contar um pouco sobre essa experiência?
André Castro Carvalho  — 
É bom lembrar que em 2012 o HSBC assinou na época o acordo mais caro da história dos Estados Unidos num setor financeiro para problemas de corrupção, lavagem de dinheiro e terrorismo. Foram quase US$ 2 bilhões. E parte do acordo tinha como exigência que fosse implantado um programa de compliance. Eu comecei a trabalhar aqui no Brasil especificamente na parte de treinamentos para a criação da aderência, comunicação e treinamento do compliance, que é a prevenção da corrupção, suborno, lavagem de dinheiro.

ConJur  — Só que logo o HSBC anunciou que ia sair do Brasil.
André Castro Carvalho  — 
Sim, mas bem, nessa época eu tinha tirado uma certificação da International Compliance Association. Depois disso fui enviado à Ásia para dar cursos de compliance para o setor de trade finance. Trabalhei em Hong Kong, Singapura e Bangladesh.

ConJur  — Quais as peculiaridades de cada lugar em relação ao compliance?
André Castro Carvalho  — 
Presente é um problema na Ásia, pois é uma cultura muito baseada em presente. Então é difícil fazer entender que presente pode ser um indício de corrupção. Outro ponto é que lá eles têm muito conhecimento teórico, diferentemente do Brasil, onde esse conhecimento é muito mais raso. Lá eles têm muito conhecimento teórico, mas na prática às vezes falta talvez coragem de levantar a mão e falar: “Isso aqui tá meio estranho”. Na Europa e nos Estados Unidos, o pessoal é mais consciente de como deve agir e fala mesmo, não tem medo. Essa é uma diferença cultural importante para o compliance, porque não adianta o HSBC fazer isso no mundo inteiro se você chega num país e o pessoal não faz porque tem vergonha, tem medo.

ConJur  — A operação “lava jato” trouxe novos paradigmas ao compliance?
André Castro Carvalho  — 
compliance sempre foi preocupação em maior ou menor grau dessas grandes empresas. A Odebrecht e a Petrobras tinham compliance? Tinham, mas o problema é que não era efetivo. Agora com as multas bilionárias, toda a imprensa em cima, a empresa falou: “Bom, agora não tem mais solução, vou ter que melhorar, se eu vou ter melhorar e se não tem, eu vou ter que implantar. Porque das duas uma, ou eu faço isso, pelo menos dou uma resposta para sobreviver, ou eu vou que nem essas grandes empresas, vou ser absorvido pelo escândalo e vou quebrar”. Claro que vai ser difícil a Petrobrás quebrar porque é estatal, mas uma Odebrecht não é impossível, uma empresa privada corre esse risco. A “lava-jato” com a Lei Anticorrupção foi um casamento perfeito da parte teórica, legislativa. Esse legado mudou muito, da água para o vinho a partir de 2014.

 é repórter da revista Consultor Jurídico.

Revista Consultor Jurídico, 25 de fevereiro de 2018, 8h00

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