Orzil News
Brasília, April 25, 2024 9:13 AM

Da previsão de atuação em rede pelas organizações da sociedade civil no Marco Regulatório do Terceiro Setor

Publicado em: 11/11/2016 08:11 | Atualizado em: 11/11/2016 08:11

Da previsão de atuação em rede pelas organizações da sociedade civil no Marco Regulatório do Terceiro Setor

Aspectos Práticos e Legais

Publicado por Luiz Melo

Já é do razoável conhecimento da sociedade, principalmente entre os diversos partícipes do terceiro setor, a implementação, por meio da Lei 13.019/2014, do denominado Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil (MROSC) ou Marco Regulatório do Terceiro Setor, diploma que procurou simplificar e conferir organicidade à miríade de normas, muitas vezes confusas e contraditórias, que regem as relações dos entes particulares exercentes de atividades de interesse público e o Estado.

Apesar da discordância de parte abalizada da doutrina acerca da inexistência de inovação propriamente dita com a edição do MROSC, já que este tão somente tentaria reunir o compêndio de regras já aplicadas há muitos anos no desenvolvimento de atividades sociais pelas organizações civis, funcionando mais como uma verdadeira consolidação normativa para o terceiro setor (nesse sentido vide Josenir Teixeira em Oposição à afirmativa de que a lei n. 13.019/14 seria o “marco regulatório das organizações da sociedade civil”, disponível em Direito do Estado. É de se acentuar a inserção no seu corpo de procedimentos inovadores sim, em específico a possibilidade de atuação em rede pelas organizações da sociedade civil, objeto de análise do presente trabalho.

Com efeito, muito antes da existência da Lei 13.019/2014, já alterada profundamente, mesmo antes da sua entrada em vigor, pela Lei 13.204/2015, bem como da edição do Decreto 8.726/2016, que recém regulamentou o MROSC, já se apercebia de imprescindível necessidade para a população como um todo a atuação das entidades civis em atividades e projetos de interesse público, aos quais o Poder Público sozinho não possui expertise e capacidade de desenvolver.

Ocorre que, a dinâmica das relações e anseios sociais se tornou de tal forma complexa, principalmente ante a compreensão correta desenvolvida ao longo do tempo de que o amplo espectro de direitos sociais garantidos pela Constituição Federal de 1988 deve ser efetivado concretamente, que nenhuma dentre a imensa gama de entidades sociais existentes, consegue, por si só, suprir a adequada prestação de atividades de interesse público, surgindo daí a percepção da necessidade de atuação em rede, visando sua melhor eficácia e maior abrangência.

Portanto, em síntese, visando possibilitar e até mesmo aperfeiçoar a abrangência do rol de finalidades de interesse públicos exercidas pelas entidades civis, surge a escorreita previsão da atuação destas em rede, mediante previsão expressa na Lei 13.019/2014 (Art. 35-A), e regulamentação da sua forma de atuação na prática por meio do Decreto nº 8.726/2016, permitindo assim que duas ou mais organizações civis atuem em conjunto, desde que cumpridos os requisitos legais que ora se procura elencar.

Da atuação em rede

Conforme consta do MROSC, precisamente do seu Art. 35-A, está franqueada a atuação em rede por entidades civis, desde que haja expressa previsão no edital de chamamento público nesse sentido. Porém, será mantida a responsabilidade integral da organização civil celebrante do negócio jurídico com a Administração Pública, seja Termo de Fomento ou de Colaboração.

Ou seja, em que pese a possibilidade de atuação em conjunto de duas ou mais entidades civis para a consecução de uma atividade de interesse público, uma destas entidades se relacionará com o Poder Público como gestora e responsável integral pela rede, sendo irrelevante participar diretamente ou não da execução do objeto da parceria firmada. É a chamada organização da sociedade civil celebrante. As demais entidades, sob a supervisão, mobilização e orientação daquela, passam a ser caracterizadas como organizações da sociedade civil executantes e não celebrantes.

Vale frisar neste ponto que, a entidade civil celebrante precisará possuir mais de 05 (cinco) anos de inscrição no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas (CNPJ), bem como comprovar a sua capacidade técnica e operacional de supervisionar e orientar a atuação em rede das demais organizações civis que estiverem sob a sua responsabilidade, capacidades estas que poderão ser demonstradas por meio de declarações das organizações que componham rede da qual a entidade celebrante participe ou tenha participado, documentos e/ou relatórios, de maneira ampla, que comprovem ter a entidade celebrante atuado em rede, o que será verificado pelo Poder Público no momento de celebração da parceria.

Como arremate ao presente tópico, importa informar que a atuação em rede pelas organizações da sociedade civil poderá se dar tanto pela realização de ações coincidentes (identidade de intervenções) entre as entidades civis que integram a rede, quanto também por ações diferentes, mas complementares, privilegiando-se assim o aspecto último da existência das redes, que é a comunhão de esforços e conhecimentos à consecução do objeto da parceria.

Das especificidades do termo de atuação em rede

Superadas a explanação geral sobre o conceito de atuação em rede pelas organizações da sociedade civil, bem como o papel e atuação a ser desempenhado por estas a depender da posição que ocupar na rede, passa-se a descrever os requisitos técnicos necessários à admissão, pelo Poder Público, de que a execução da parceria se dará por atuação em trama, aqui no sentido positivo da palavra.

Assim, desde logo infere-se que, para que haja o repasse de recursos públicos às entidades civis executantes e não celebrantes será preciso firmar o chamado Termo de Atuação em Rede com a entidade civil celebrante, competindo a esta, no momento da celebração, verificar a regularidade jurídica e fiscal da organização executante e não celebrante (por meio do comprovante da sua inscrição no CNPJ, cópia do estatuto e alterações eventuais, certidões negativas da Dívida Ativa, FGTS e de débitos trabalhistas), bem como obter a declaração do representante legal da entidade executante e não celebrante de que esta não possui impedimentos junto ao CEPIM – Cadastro de Entidades Privadas Sem Fins Lucrativos Impedidas, SICONV – Sistema de Gestão de Convênios e Contratos de Repasse, SIAFI – Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal, SICAF – Sistema de Cadastramento Unificado de Fornecedores e CADIN – Cadastro Informativo de Créditos não Quitados do Setor Público Federal.

Ademais, o sobredito Termo de Atuação em Rede necessitará detalhar os direitos e obrigações de cada entidade civil integrante da rede, bem como estabelecerá as ações, metas e os prazos que serão desenvolvidos pela organização social executante e não celebrante e o valor a ser repassado pela organização social celebrante.

Feito isto, a organização social celebrante necessita comunicar ao Poder Público, no prazo de 60 (sessenta) dias contados da sua assinatura, de que firmou Termo de Atuação em Rede. Lado outro, acaso venha a ser rescindido o referido termo, terá a organização social celebrante meros 15 (quinze) dias para comunicar a sua ocorrência ao Poder Público, contados da assinatura do instrumento de rescisão.

Por fim, salienta-se que a atuação em rede não caracterizará, em absoluto, a subcontratação de serviços pela organização social celebrante, e nem descaracterizará a sua capacidade técnica e operacional.

Das responsabilidades

O regulamento do Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil (Decreto 8.726/2016)é literal ao informar ser a organização social celebrante da parceria a responsável pelos atos realizados pela rede. Nesse mesmo sentido, os direitos da organização social celebrante jamais poderão ser sub-rogados à entidade civil executante e não celebrante.

Contudo, ao nosso sentir de maneira um tanto quanto contraditória, às organizações sociais executantes e não celebrantes será imputada responsabilidade subsidiária nos casos de irregularidade ou desvio de finalidade da parceria, limitada tal responsabilidade ao valor dos recursos por aquela recebidos ou ao valor devido em razão de dano ao erário, aqui somente cabendo entender quando tal valor for menor do que o efetivamente recebido pela entidade civil executante e não celebrante ao longo da parceria.

Outrossim, competirá à organização social celebrante da parceria prestar as informações sobre os prazos, as metas e as ações executadas pela (s) organização (ões) executantes e não celebrantes, possibilitando a avaliação e monitoramento da Administração Pública. Contudo, estão as organizações sociais executantes e não celebrantes obrigadas a fornecer às organizações sociais celebrantes todos os documentos e comprovantes referentes à sua participação na rede, inclusive os dispêndios com pessoal contratado, visando a escorreita prestação de contas pela entidade civil celebrante.

De qualquer sorte, está assegurado o direito de regresso da organização social celebrante, em razão de eventual ressarcimento que fizer ao erário, por conduta ilegal perpetrada pela entidade civil executante e não celebrante.

Vale também salientar ser vedada a participação em rede de organização social executante e não celebrante, que tenha mantido relação jurídica com algum dos integrantes da comissão de seleção responsável pelo chamamento público que resultou na celebração da parceria, silenciando a norma quanto à organização celebrante nesse sentido, em que pese esteja o membro da comissão obrigado a declarar-se impedido em casos que tais, o que denota certo estranhamento com o fim previsto pelo legislador.

A execução da parceria em descumprimento aos ditames da Lei 13.019/2014, ao seu regulamento (Decreto 8.726/2016), bem como em desalinho ao quanto estipulado no Plano de Trabalho e no Termo de Fomento ou Colaboração, poderá ensejar na aplicação pelo Poder Público à entidade civil, sem aqui haver distinção na norma tratar-se da organização celebrante ou a executante, entendendo-se o cabimento para ambas, na medida das suas responsabilidades, das sanções de advertência, suspensão temporária do direito de celebrar parcerias por até dois anos ou declaração da sua inidoneidade.

Conclusão

Diante do exposto, não restam dúvidas de que a previsão de atuação em rede pelas organizações da sociedade civil é uma inovação importante, que auxilia o aperfeiçoamento das políticas públicas, conferindo uma maior possibilidade de abrangência e efetividade das atividades de interesse público, ao passo em que se alinha às melhores práticas de democracia participativa, nas quais as entidades civis têm papel essencial.

Entretanto, em que pese o louvável esforço dos legisladores no sentido de regulamentar amiúde a forma de atuação em rede das organizações sociais, somente a prática diária é que concretamente fornecerá a melhor colmatação do tema, já que a atuação compartilhada se mostra altamente inovadora em todas as áreas do agir humano e, pelo menos até o momento, muito profícua.


Por Luiz Melo

Advogado

[email protected]

tvmelo.jusbrasil.com.br