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Diante de fogo recorde, especialistas temem que sociedade banalize tragédias ambientais

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Publicado em: 14/11/2020 11:11 | Atualizado em: 14/11/2020 11:11
Senadores, cientistas e ONGs temem que, diante das notícias incessantes a respeito do fogo abrindo clareiras na Amazônia e matando animais selvagens no Pantanal nos últimos meses, a população brasileira acabe ficando insensível aos crimes ambientais.

Os satélites do Instituto Nacional de Pesquisas Especiais (Inpe) mostram que, em toda a última década, 2020 é o ano em que mais houve incêndios no Brasil. O número de focos na Amazônia foi o dobro do registrado em 2013. No Pantanal, houve 14 vezes mais incêndios do que em 2018. As chamas arrasaram neste ano mais de 25% da superfície pantaneira.

A bióloga brasileira Erika Berenguer, que é pesquisadora das Universidades de Oxford e Lancaster, ambas na Inglaterra, e estuda os efeitos do fogo na Amazônia, vê semelhanças entre os incêndios recordes e a pandemia do novo coronavírus:

— Chegamos a ter no Brasil, num único dia, mil mortes pelo coronavírus e mil focos de incêndio na Amazônia, mas a manchete dos jornais foi qualquer outra coisa, como alguma declaração polêmica do governo. Parece que as pessoas ficaram anestesiadas e começaram a normalizar mortes e incêndios que poderiam ter sido evitados. Isso é muito ruim porque, quando a opinião pública não faz pressão, abrem-se as portas para que esses problemas, que já são péssimos hoje, fiquem ainda piores no futuro.

De acordo com a senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA), o risco da banalização e da apatia fica maior quando o próprio poder público não encara os incêndios nos ecossistemas brasileiros como tragédias. Ela cita o discurso que o presidente Jair Bolsonaro proferiu em setembro na Organização das Nações Unidas (ONU).

— Culpar índios e caboclos [pelo fogo na Amazônia] é algo absurdo — afirma a senadora. — A comunidade indígena, na realidade, é hoje uma das que mais contribuem com a proteção ambiental no país. O discurso negacionista do presidente é algo que deve trazer indignação.

Especialistas explicam que as condições climáticas deste ano estão na origem do excesso de incêndios. A estiagem e o calor foram particularmente severos. Mas não é só isso. Eles chamam a atenção para o fato de que o fogo não nasceu de forma espontânea, mas foi provocado pelo homem — e, muitas vezes, de forma criminosa.

No caso da Amazônia, o mais comum é que grileiros invadam terras públicas, derrubem a floresta e, para limpar o local, queimem as árvores acumuladas no solo. Depois de espalhar por essas terras algum gado ou iniciar um roçado, pleiteiam a regularização fundiária. Uma vez donos de terras até então públicas, podem vendê-las e lucrar.

O fogo ateado por grileiros, além disso, em vez de ficar apenas na área ilegalmente desmatada, pode acabar entrando na floresta.

— No ano passado, tivemos recorde de desmatamento na Amazônia. Com tantas árvores derrubadas, já prevíamos que neste ano teríamos recorde de incêndios. O fogo é a última etapa do desmatamento — explica a bióloga Erika Berenguer.

No caso do Pantanal, segundo especialistas, o mais frequente é a queima da pastagem do gado para eliminar o mato que cresce de forma indesejável. Quanto mais seca está a vegetação, maior é a chance de que o fazendeiro perca controle sobre o fogo.

Fogo na Amazônia: floresta bate recorde de focos de incêndio (foto: Victor Moriyama/Greenpeace)
O senador Fabiano Contarato (Rede-ES), que comanda no Senado a Comissão de Meio Ambiente (CMA), lembra que o presidente Bolsonaro, antes mesmo de tomar posse, dava sinais de que seria menos rígido com quem cometesse crimes ambientais. Chegou a dizer que havia no país uma “indústria da multa”. Contarato diz que o presidente cumpriu a promessa:

— A trajetória crescente do número de incêndios, tanto na Amazônia quanto no Pantanal, é resultado direto do recente desmonte da política de proteção do meio ambiente. Não há fiscalização, e as multas ambientais não são sequer cobradas. O sinal dado aos grupos criminosos é que podem atacar a natureza o quanto quiserem porque não sofrerão nenhuma consequência ou sanção. E esses grupos agiram. Os principais biomas brasileiros, de fato, estão sendo destruídos.

Fogo ameaça Terra Indígena do Xingu, em Mato Grosso (foto: Takumã Kuikuro)
O Senado tem agido contra os incêndios. Em setembro, criou uma comissão temporária externa para acompanhar as ações do poder público no combate às chamas do Pantanal e propor ações para que a tragédia não se repita. Os senadores da comissão fizeram duas viagens à região e organizaram diversas audiências públicas com especialistas e representantes do governo federal e dos governos de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.

— Vejo que o governo federal foi sensível à situação e se mostrou bastante ágil no auxílio aos dois estados — avalia o relator da comissão, senador Nelsinho Trad (PSD-MS).

— A demora nas ações de prevenção não pode voltar a acontecer, e estaremos atentos — diz o presidente da comissão, senador Wellington Fagundes (PL-MT). — O desastre provocado pelas queimadas não pode cair no esquecimento. O verde que logo voltará não pode apagar a imagem das cinzas, da vegetação queimada e dos animais mortos.

A senadora Eliziane Gama propôs a criação de uma comissão parlamentar de inquérito para investigar o que ela chama de crise ambiental. Ela já obteve as assinaturas necessárias para a abertura da CPI. Em outra linha, o senador Carlos Fávaro (PSD-MT) apresentou um projeto de lei que permite que o poder público alugue aviões agrícolas de particulares para o combate de incêndios (PL 4.629/2020). A proposta já foi aprovada pelo Senado e agora está na Câmara dos Deputados.

A avaliação da pesquisadora Ane Alencar, uma das diretoras do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), os brasileiros não lucram absolutamente nada com os incêndios e a destruição do meio ambiente:

— Quando os grileiros ateiam fogo a uma área para invadi-la, o patrimônio público está sendo expropriado. A terra deixa de ser minha, sua, de todos os brasileiros, e o poder público não arrecada um centavo sequer. O combate aos incêndios ainda exige que o governo desembolse dinheiro público. Os brasileiros só são prejudicados. Quem lucra com isso tudo são interesses particulares, quadrilhas privadas.

Além das perdas óbvias para a diversidade de plantas e animais, a lista dos prejuízos provocados pelo fogo inclui o aumento da poluição atmosférica, da incidência de doenças respiratórias e da sobrecarga no sistema público de saúde — o que é especialmente negativo em meio à atual pandemia. O fogo também prejudica o funcionamento de aeroportos. Por causa da fumaça, o avião em que Bolsonaro viajava em setembro foi obrigado a arremeter antes de conseguir pousar em Sinop, cidade de Mato Grosso localizada entre o Pantanal e a Amazônia.

Os incêndios também são decisivos para as mudanças climáticas. Na Amazônia, a destruição das árvores prejudica o ciclo do dióxido de carbono, um dos gases causadores do efeito estufa. Estudos mostram que a vegetação que posteriormente nasce numa área queimada costuma ser menos robusta que a anterior e não tem o mesmo poder de absorver o dióxido de carbono.

No comércio global, o Brasil acaba sofrendo sanções por não proteger o meio ambiente. Empresas estrangeiras já deixaram de comprar produtos agropecuários do país por essa razão. O presidente eleito dos Estados Unidos, Joe Biden, afirmou que o Brasil sofrerá “consequências econômicas significativas” caso não pare de “destruir a Amazônia”. Bolsonaro respondeu que, “quando acaba a saliva [da diplomacia], tem que ter pólvora”.

Resgate de onça-pintada atingida por incêndio no Pantanal (foto: Natália Semaniotto/Fotos Públicas)

Ane Alencar, do Ipam, acredita que o Brasil não precisa de novas leis ambientais para enfrentar o problema dos incêndios:

— Já temos leis muito boas, como o Código Florestal. O que falta é colocá-las em prática. Em outras palavras, o que falta é vontade política de combater o problema. E isso é possível. Na virada dos anos 1990 para os anos 2000, nós vivíamos uma situação péssima no meio ambiente. Com vontade política, conseguimos mudar esse quadro nos anos seguintes e tivemos reduções enormes no desmatamento e nos incêndios. Eu tenho muita esperança que isso vai acontecer de novo.

A Agência Senado pediu entrevista ao Ministério do Meio Ambiente e ao Ibama, mas não obteve resposta até a conclusão desta reportagem. O Ministério do Desenvolvimento Regional afirmou, por meio de nota, que “a orientação do presidente é não poupar esforços para debelar o fogo no Pantanal” e que repassou R$ 20,6 milhões aos governos de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul e R$ 19 milhões ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), que é ligado ao Ministério do Meio Ambiente.

Fonte: Agência Senado

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