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O risco de ser punido e a mensagem do TCU

Publicado em: 19/11/2018 12:11 | Atualizado em: 19/11/2018 12:11
 André de Castro O. P. BragaAdvogado e doutorando em Administração Pública pela FGV-SP. Este texto foi produzido no âmbito do Observatório do TCU, uma iniciativa do Grupo Público da FGV DIREITO SP.

Qual é a probabilidade de um servidor da União ser sancionado pelo TCU? Aparentemente, não é alta. Ao longo de 2017, por exemplo, o tribunal condenou 2.706 pessoas ao ressarcimento de débito, ao pagamento de multa ou à inabilitação para o exercício de cargo em comissão.

Esse número representa apenas cerca de 0,15% do total de pessoas trabalhando em órgãos ou entidades da União. Se considerarmos que entre os condenados também se encontram particulares e servidores de estados e municípios, a porcentagem de agentes da União sancionados pelo TCU será ainda menor.

Isso significa que é exagerada a crítica corrente de que o TCU vem inibindo a atuação de agentes públicos, que, receosos de serem penalizados, acabam se esquivando de tomar as decisões mais inovadoras? Não necessariamente. Teóricos que se debruçaram sobre a atividade sancionadora estatal nos ajudam a entender por quê.

No modelo clássico proposto por Gary Becker, um indivíduo ou empresa, ao avaliar se deve ou não cumprir determinada norma jurídica, leva em conta a probabilidade de sua conduta ser considerada irregular pelas autoridades.

Por esse modelo, um agente público racional e bem-intencionado, após verificar as estatísticas, chegará à conclusão de que é baixa a probabilidade de ser sancionado pelo TCU, o que lhe permitirá tomar uma decisão sem receio ou vieses.

Autores mais contemporâneos, contudo, defendem que a percepção do risco de ser punido é mais relevante do que a efetiva probabilidade da sanção. E essa percepção pode ser afetada por diversos fatores. Um deles é a forma como a autoridade sancionadora se comunica com as pessoas que estão sob sua jurisdição.

Daí ser cabível perguntar: a maneira como o TCU se comunica detém o potencial de aumentar, nos agentes públicos, a percepção do risco de ser punido, mesmo que esse risco não seja tão significativo do ponto de vista estatístico?

Na busca por uma resposta, vale a pena analisar o conteúdo dos Informativos de Licitações e Contratos, que são publicados quinzenalmente na página eletrônica do TCU e enviados por e-mail para qualquer interessado cadastrado. Neles é possível encontrar um resumo de decisões recentes que trataram de licitações e contratos administrativos. De acordo com o TCU, a finalidade dos informativos é “facilitar o acompanhamento dos acórdãos mais importantes” sobre a matéria.

Em junho de 2018, o TCU publicou dois informativos, que mencionaram um total de sete acórdãos. Inicialmente, chama atenção o fato de que, desses sete acórdãos citados nos informativos, seis foram proferidos em processos de fiscalização em que o TCU identificara alguma irregularidade. Mencione-se, por exemplo, o Acórdão 1.095/2018, por meio do qual o TCU determinou a anulação de licitação de obras rodoviárias em razão da previsão, no edital, de requisitos de habilitação técnica que restringiam a competição entre os licitantes. Outro exemplo é o Acórdão 1.194/2018, que resultou de auditoria do TCU em que foi apontado sobrepreço em contrato de implantação de pequena central hidroelétrica.

A maioria dos acórdãos descritos nos informativos de junho também envolve alguma espécie de sanção aplicada pelo TCU, seja por meio da penalização de servidores, da anulação ou suspensão de atos praticados pelo ente público ou, ainda, por meio de determinação de instauração de tomada de contas especial.

Se analisarmos todos os informativos publicados entre janeiro e julho deste ano, veremos que esse padrão se repete: o TCU privilegia a divulgação de informações sobre decisões que identificam ou punem irregularidades na condução de licitações ou execução de contratos administrativos.

Nesse período, 88% dos acórdãos citados nos informativos trataram de processos de fiscalização que tiveram origem em algum indício de irregularidade. Além disso, 70% dessas decisões impuseram alguma consequência gravosa para agentes públicos, entes estatais contratantes ou empresas privadas.

Em especial, 47% dos acórdãos falam de casos em que algum agente público foi multado, condenado ao ressarcimento de dano ao erário ou se tornou objeto de processo de tomada de contas especial.

A escolha de acórdãos com essas características se reflete no conteúdo dos informativos, que acabam veiculando orientações sobre as regras que o agente público deve seguir para que sua conduta não seja considerada ilícita – e não orientações sobre modelos bem-sucedidos e práticas eficientes utilizadas na administração pública.

Veja-se, por exemplo, o seguinte trecho extraído do Informativo 346:

“Em contratação sob o regime de empreitada integral, a celebração de aditivo contratual somente é admitida sob condições especiais, decorrentes de fatos imprevisíveis. Eventuais imprecisões no projeto básico não são motivo para correção por meio de aditivo, porquanto constituem riscos que se inserem na álea contratual ordinária, os quais são assumidos pelo contratado.”

Após ler esse trecho do informativo e a decisão que lhe deu origem (Acórdão 1.194/2018), o agente público permanece sem conhecer exatamente quais “fatos imprevisíveis” justificariam a celebração de aditivos em contratos sob o regime de empreitada integral. Por outro lado, o mesmo agente público percebe que, no caso concreto, aqueles que descumpriram o entendimento do TCU precisarão responder a processo de tomada de contas especial e poderão ser sancionados. A mensagem negativa sobre o risco de punição é, portanto, muito mais clara, o que tende a incentivar a adoção de posturas mais conservadoras e burocratizantes na tomada de decisões pelos agentes públicos.

Mudar esse estilo de comunicação não parece simples, pois a detecção de irregularidades em licitações e contratos administrativos está, hoje, compreensivelmente, no centro das iniciativas de fiscalização do TCU. Ao que tudo indica, o conteúdo dos informativos é uma decorrência natural das diretrizes e normas que regem o funcionamento do tribunal.

No entanto, mesmo prevalecendo essa ênfase na detecção de ilícitos, seria conveniente iniciar um debate sobre a forma como o TCU divulga informações sobre seus julgados. Uma alternativa seria dar igual destaque a achados de auditorias que revelem iniciativas inovadoras e bem-sucedidas em matéria de licitações e contratos administrativos, de modo a gerar os incentivos necessários para que agentes públicos possam buscar, sem receio, mais eficiência no cotidiano do setor público.

Emendas Parlamentares
03 de dezembro de 2018 / Brasília – DF
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