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Polêmicas em torno da reforma trabalhista e o "Direito das Ruas"

Publicado em: 15/12/2017 13:12 | Atualizado em: 15/12/2017 13:12

DIREITOS FUNDAMENTAIS

Polêmicas em torno da reforma trabalhista e o “Direito das Ruas”

Por Ingo Wolfgang Sarlet

Embora a reforma trabalhista, na perspectiva de sua consistência constitucional, esteja sendo argutamente examinada e comentada em colunas da lavra do sempre instigante e culto colega e amigo Lenio Streck, sempre há espaço para mais debate, aqui em perspectiva sinérgica e complementar, ainda que sem maior preocupação com uma reflexão pautada pela dogmática jurídico-constitucional. Aliás, é mesmo possível afirmar que o nosso intento na presente coluna é esboçar, curta, mas, espera-se, incisiva manifestação em relação a determinados discursos assacados contra todos os que ousam criticar a reforma, ainda que quanto a alguns aspectos.

Mas ainda mais preocupantes formulações contemplam as objeções a toda e qualquer forma de controle judicial da reforma trabalhista, chegando-se ao ponto de ressuscitar as teses que propõe uma reconstrução (no sentido de forte esvaziamento) e mesmo de extinção da Justiça e do Ministério Público do Trabalho.

Não se está aqui (a despeito da nossa veemente refutação de tais proposições) a questionar o direito em si de se formular tais objeções à atuação da Justiça do Trabalho e, ao fim e ao cabo, do próprio STF, no sentido de eventualmente corrigir e mesmo em parte (ou eventualmente, em tese, até mesmo no todo) a assim chamada reforma trabalhista, patrocinada pelo Congresso Nacional (em caráter majoritário) e pelo Poder Executivo, posto que se trata de conteúdo protegido pela liberdade de expressão.

Mas isso, por sua vez, não diminui — pelo contrário, fortalece — a necessidade de se confrontar tais teses, inclusive apontar em não raros casos evidentes incorreções e graves distorções.

Em caráter ilustrativo, tome-se o conteúdo da coluna semanal da revista Veja (edição de 6 de dezembro) assinada por J.R. Guzzo, quando lamenta e critica veementemente a postura de integrantes da magistratura e do Ministério Público do Trabalho que estariam a afirmar que se recusarão a aplicar a lei da reforma trabalhista da qual não gostam.

Entre outras críticas, ataca-se na coluna o fato de juízes usarem como fundamento de tal postura a injustiça da reforma, chegando-se ao ponto de criticar o fato de que até mesmo textos legislativos estabelecem que o juiz não é um mero (e cego) aplicador da lei, ademais de se questionar se são os juízes, e não os empreendedores (que criam os empregos e pagam os salários!!!), os mais importantes para defender os interesses dos trabalhadores….

Nessa mesma toada, insurge-se o ilustre colunista contra aquilo que considera uma postura mental dos juízes que estaria sendo chamada de um “Novo Direito” ou “Direito das Ruas” ou “algo assim”, da mesma forma como resulta evidente que o colunista, ao fim e ao cabo, está a aderir às clássicas teses direcionadas ao poder dos juízes de interpretar e aplicar as leis a partir de critérios e com consequências não expressamente previstas no texto legal, gerando grave insegurança jurídica.

É certo que não se pode legitimamente exigir do colunista um conhecimento técnico-jurídico, assim como não se está a questionar o fato de que existem situações onde a crítica ao assim designado ativismo judicial é correta, sem falar na qualificada controvérsia sobre os limites funcionais da atuação judiciária.

Mas quando se parte para a afirmação de que a insegurança jurídica consiste no “nome que se dá a situações de caos em que o Estado não garante o cumprimento das leis” e que “costuma ser consequência de guerras, golpes de Estado ou outras calamidades”, sendo que no Brasil atual de hoje é o Poder Judiciário que costuma produzir tal estado de coisas, as críticas acabam, ao menos quando formuladas em caráter genérico, abdicando de qualquer pretensão a serem levadas a sério.

A situação piora quando o colunista agrega que “a recusa em obedecer a lei se destina a defender o pesqueiro da Justiça do Trabalho, com seus mais de 40.000 funcionários, cerca de 3500 Juízes (salário inicial: 27500 reais por mês) e 4 milhões de novas causas trabalhistas por ano, segundo os números de 2016. Têm privilégios que causam espanto no Mundo. Tem um fenômeno chamado Ministério Público do Trabalho. Têm, até, um supremo tribunal trabalhista. Não aceitam, é claro, que se mexa em nenhuma das aberrações que sustentam a sua existência”.

Ora, não é necessário maior noção das coisas para perceber a flagrante e insuperável contradição do discurso veiculado pela coluna quando chega a sugerir (dada a formulação em forma de questionamento, acima referida) que os empreendedores que criam empregos e pagam salários são os que melhor defendem o interesse dos empregados… Dito de outro modo, seja qual for o motivo da demissão, do corte de salários, do aumento da jornada diária etc., tais medidas (já que tomadas pelo declarado defensor dos trabalhadores!) seriam sempre adequadas e justas, insuscetíveis a controle, em especial de natureza jurisdicional.

Mesmo que se possa objetar legitimamente o recurso ao que o colunista designa de “Direito das Ruas” (que remonta ao assim chamado “direito alternativo” e ao movimento e teoria do “direito achado na rua”), chama a atenção a pura e simples falta de consideração, por parte do articulista, de que em praticamente todos os países do mundo existe algo que se designa de uma Constituição e que domina soberanamente a doutrina e prática da supremacia da Constituição sobre todas as leis elaboradas pelo Poder Legislativo, que, em regra (ainda que com variações importantes quanto ao procedimento, modo de atuação da Justiça Constitucional e outros fatores) podem e devem ser declaradas inconstitucionais quando evidente o contraste com a Constituição ou serem interpretadas de modo compatível com a mesma.

Da mesma forma deixou-se de levar em conta que foi o Congresso Nacional Constituinte quem manteve e mesmo fortaleceu a Justiça do Trabalho e o próprio Ministério Público, assim como atribui ainda mais poder ao Supremo Tribunal Federal para afirmar a autoridade da Constituição de 1988.

É, como já adiantado, legítimo discutir a correção desse modelo, bem como o alcance das decisões judiciais, mas dai já se trata de outra coisa.

Além disso, o fato de a Justiça do Trabalho lidar com cerca de quatro milhões de processos demonstra a adequação da decisão constituinte, sem falar na amplamente reconhecida sobrecarga do Poder Judiciário trabalhista, mas também do Poder Judiciário em termos gerais (basta ainda recordar os cerca de 100 mil processos aportados anualmente ao STF), ainda mais quando se compara tais dados com os dados de outros sistemas, de tal sorte que o número de processos atribuídos a cada juiz brasileiro é em regra mais alto e mesmo muito mais alto do que a expressiva maioria dos juízes do nosso planeta.

Se ainda assim se considerar, em face da responsabilidade e carga de trabalho, que o número de servidores e juízes é demasiado e escandaloso, assim como suas remunerações, é controvérsia absolutamente legítima, mas que não pode ofuscar o essencial, que é o fundamento democrático-constitucional das funções do Poder Judiciário (e do Ministério Público) para a defesa e cumprimento não apenas das leis, mas em especial da ordem constitucional e, com ainda maior destaque, dos direitos fundamentais dos trabalhadores.

Pois é: para o dissabor de infelizmente não poucos, os direitos dos trabalhadores são fundamentais e, nessa perspectiva, prevalecem sobre a legislação e mesmo sobre emendas constitucionais, ainda que se trate da reforma trabalhista!

Quanto ao “supremo tribunal trabalhista” (vejam no que se transformou o Tribunal Superior do Trabalho), convém lembrar ao ilustre articulista referido que tal “fenômeno” também existe em outros países, inclusive alguns desenvolvidos como é o caso da Alemanha. Mas, afinal de contas, a Alemanha é um dos países onde ainda se entende que a justiça social é um valor fundamental e que os trabalhadores, na condição de pessoas e sendo mais vulneráveis em face do poder diretivo e econômico do empreendedor, devem ter um conjunto de direitos e garantias que mesmo não sendo guindados à condição de fundamentais devem ser assegurados pelo Poder Judiciário. Se lá isso segue sendo a regra, o que dizer quando a própria Constituição incorpora os direitos e garantias dos trabalhadores e ainda por cima lhes atribui o estatuto juridicamente qualificado de direitos fundamentais.

De todo modo, o que aqui se pode afirmar, mediante sumário diálogo com as teses esgrimidas pelo afamado colunista de Veja, é que devemos estar alertas e dispostos a identificar e desnudar determinadas ignorâncias (no sentido de falta de conhecimento sobre algo) e falácias, pois também disso depende o resultado positivo da histórica e valorosa luta pela afirmação dos direitos fundamentais. Que sigamos todos engajados na firme e qualificada defesa de tais direitos e da erosão (senão desaparecimento) de sua fundamentalidade, em particular — dado a atual contexto — dos direitos dos trabalhadores. Que o Direito e a voz das “ruas” se façam ouvir para afirmar o Estado Democrático de Direito.

Ingo Wolfgang Sarlet é professor titular da Faculdade de Direito da PUC-RS, desembargador no TJ-RS, doutor e pós-doutor em Direito.

Revista Consultor Jurídico

 

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