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Sete impactos da nova Lei de Licitações sobre concessões e PPPs

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Publicado em: 05/05/2023 12:05 | Atualizado em: 05/05/2023 15:05

Reduzir a contratualização administrativa aos contratos de obras, serviços e bens regidos pela Lei de Licitações é uma visão simplista que gradualmente tem desaparecido. As formas de ação baseadas no consenso recíproco evoluíram, multiplicaram-se, estimulando o reconhecimento de várias categorias próprias, incluindo contratos laborais, instrumentais, cooperativos e concessórios, além dos inúmeros acordos no exercício das funções administrativas restritivas.

A evolução legislativa e doutrinária dos contratos administrativos nos últimos 30 anos é inegável! Porém, ainda hoje, muitos dos referidos grupos contratuais ainda carecem de disciplina suficientemente pormenorizada. Essa lacunosidade os torna altamente dependentes de “empréstimos” normativos de outros subsistemas administrativos, da teoria geral dos contratos e dos contratos privados.

Consciente dessa realidade, o legislador não se resumiu a utilizar a Lei nº 14.133/2021 para incluir mudanças pontuais na legislação concessória, como o diálogo competitivo em licitações. Além disso, garantiu expressamente a aplicação subsidiária das normas gerais da LLIC a contratos de concessão comum e de PPP (artigo 186 [1]).

Esse dispositivo legal provoca duas reflexões. A primeira diz respeito à interpretação de seu próprio comando e às implicações práticas daí resultantes. A incidência subsidiária, a meu ver, não se opera automaticamente a partir da constatação de lacuna das leis gerais sobre matéria concessória. Empregar apenas esse requisito é perigoso, pois concessões são ajustes de longo prazo, relacionais, mutáveis e dependentes de formas próprias de sustentação econômica. Por isso, entendo necessário cotejar ao menos quatro requisitos básicos para se impor aplicação subsidiária da LLIC a módulos concessórios, quais sejam: (1) a ausência de norma especial na legislação concessória setorial; (2) a ausência de norma básica na Leis Gerais de Concessões ou de PPP, inclusive nas editadas por Estados e Municípios; (3) a pertinência lógica do comando destinado à integração da lacuna e (4) a adequação temporal, já que a nova LLIC não se aplica contratos firmados antes de sua publicação ou, sem opção expressa, no período de transição que perdura até final de 2023.

A segunda reflexão diz respeito à identificação de normas da LLIC capazes de ocasionar mudanças significativas em matéria de concessões. Um exame aprofundado e preciso dessa questão exigiria, como dito, examinar todos os quatro requisitos, incluindo a legislação especial aplicável e a legislação subnacional. Dada a impossibilidade da consideração desses fatores num texto panorâmico como este, restrinjo-me a levar em conta apenas as lacunas nas Leis Gerais (8.987/1995 e 11.079/2004) para apontar sete temas regidos pela nova LLIC que certamente afetarão os contratos de concessões e PPP no futuro próximo.

O primeiro tema diz respeito aos agentes públicos envolvidos no planejamento, na licitação, na fiscalização e gestão de contratos. Ao editar a Lei 14.133, o Congresso almejou mais profissionalismo, eficiência, transparência e integridade. Para tanto, dedicou inúmeras normas à escolha e atuação de agentes públicos. Nesse contexto, espera-se que o sistema concessório seja diretamente afetado pela aplicação subsidiária de regras que: (1) impõem a escolha de planejadores, agentes de contratação, fiscais e gestores com atribuições relacionadas ao tema, formação compatível ou qualificação atestada por escola de governo (artigo 7º, II); (2) determinam a preferência pela designação de servidores efetivos e contratados públicos (artigo 7º, I); (3) atribui aos Tribunais de Contas oferecer capacitação para agentes públicos da área (artigo 173); (4) exigem respeito à prevenção de conflitos de interesses (artigo 9º, § 1º); e (5) estipulam a segregação de funções como princípio, o qual, portanto, incidirá sempre que possível para evitar riscos de ocultação de corrupção, fraudes e ilegalidades (artigo 7º, § 1º).

O segundo tema diz respeito ao uso de medidas inclusivas na contratação pública. Seguindo a tendência mundial de utilizar contratos como meios de políticas de desenvolvimento sustentável, a nova LLIC avança ao prever, além das técnicas inclusivas de ME e EPP da LC nº 123/2006: (1) a faculdade de o contratante impor ao contratado que recrute egressos do sistema prisional e mulheres vítimas de violência doméstica (artigo 25, § 9º); (2) o dever de se observar reserva de vagas para deficientes e reabilitados da Previdência Social, inclusive como requisito de habilitação (artigo 63, IV); (3) a possibilidade de realização de PMI exclusivo para startups com o objetivo de fomentá-las (artigo 81, § 4º) e (4) o cotejo de políticas empresariais de equidade de gênero como um dos critérios de desempate (artigo 60, III). Se o legislador entendeu que essas estratégias são bem-vindas em contratos de menor monta, não há dúvidas de sua compatibilidade com contratos de grande valor, abrangência e impacto, como as concessões.

O terceiro tema diz respeito à matriz de riscos. Como se sabe, a Lei de Concessões não trata do assunto, nem exige matriz como anexo contratual. Já a Lei de PPP faz menção direta apenas a compartilhamento de riscos, sem falar propriamente de matriz. Porém, a partir da nova LLIC, não há dúvidas de que todos esses instrumentos concessórios precisarão embuti-la de forma explícita, ou seja, como anexo do edital ou conjunto de cláusulas exclusivamente dedicadas ao tema. É verdade que a LLIC não impôs a matriz para todos os contratos propriamente. Porém, criou exceções ao estipular sua obrigatoriedade para contratação integrada, semi-integrada ou de grande vulto (artigo 22, § 3º). Ora, se a matriz é obrigatória quando o contratado assume projetos executivos (semi-integrada) ou ambos os tipos de projetos (integrada), igual mandamento há que se aplicar aos ajustes que transferem às concessionárias tarefas desse gênero. Para além disso, é imprescindível que a matriz de concessões não se resuma aos riscos no sentido de eventos negativos, ou seja, que reduzem entradas financeiras ou aumentam custos/despesas. Dadas as peculiaridades desses contratos, elas deverão abordar também as potenciais oportunidades, a exemplo da novas fontes de receitas alternativas.

O quarto tema disciplinado pela LLIC que afetará as concessões é o combate à corrupção. Como se sabe, esse assunto não recebe destaque na legislação concessória. Diferentemente, em meio a amplos debates, a nova LLIC não o ignorou. Isso se verifica tanto na menção da relação dos processos de responsabilização licitatória/contratual com os da lei anticorrupção (artigo 159), quanto na regra sobre programas de integridade (artigo 25, § 4º). Acertadamente, o legislador não impôs esses programas como condição de habilitação. Digo “acertadamente”, pois exigência dessa espécie aumentaria intensivamente os custos de transação para agentes econômicos de menos porte e afetaria a competitividade nos certames. A LLIC tornou obrigatória a adoção de programas apenas em contratos de grande vulto. Assim, na falta de norma própria da legislação concessória, não parece sobrar motivos para negar a aplicabilidade automática dessa exigência aos contratos de concessão e PPP que extrapolem (no conjunto de entradas e saídas financeiras) o volume mínimo de recursos que caracteriza um contrato de grande vulto.

O quinto tema da LLIC a afetar as concessões diz respeito ao desempenho contratual prévio. Quis a nova legislação resolver um problema antigo no Brasil, qual seja, a possibilidade de que maus executores participem de novas licitações sem qualquer desvantagem em relação aos bons executores. Por isso, o novo sistema de cadastro unificado de fornecedores no PNCP deverá embutir um campo de atesto do desempenho contratual prévio conforme normas definidas em regulamento. O tema não é simples, nem de fácil operacionalização. De todo modo, a previsão da avaliação de desempenho deverá gerar dois efeitos relevantes em matéria concessória. De um lado, é preciso que as concessões passem a ser igualmente avaliadas de modo objetivo e transparente, a despeito de infrações contratuais. De outro, há que se observar o desempenho pregresso das empresas nas licitações de concessões seja como elemento de julgamento de técnica, seja como critério de desempate.

O sexto tema envolve solução de disputas. Embora a legislação concessória tenha sido pioneira na absorção de MASCs por alterações ocorridas em 2005, sua normatização é bastante simplista e não estipula previsão de alguns instrumentos importantes, como os comitês de resolução de disputas. Aqui entra a nova Lei de Licitações, que reforça a possibilidade de uso da arbitragem, além de abrir espaço para a mediação, a conciliação e os referidos comitês. Mais que isso, a nova lei autoriza credenciamento na seleção de instituições de solução de disputas (artigo 79) e prevê a seleção isonômica, técnica e transparente de árbitros, colegiados arbitrais e comitês, exigindo que os entes definam critérios claros para tanto (artigo 154).

O sétimo e último tema refere-se ao Direito Administrativo Sancionador. Nessa temática, as leis gerais em matéria concessória são claramente insuficientes. Além de silenciarem sobre os reguladores, elas ignoram infrações ocorridas na fase pré-contratual (licitações e procedimentos auxiliares). Tampouco dedicam normas processuais suficientes para garantir o respeito à defesa e ao contraditório, o que, frequentemente, dificulta a apuração de infrações concessórias e fragiliza condenações administrativas. Nessa matéria, portanto, a aplicação subsidiária dos dispositivos da nova LLIC será de grande valia. De relevância para o regime das concessões se revelam as normas sobre a condução do processo administrativo de responsabilização — PAR (artigo 158), os critérios de dosimetria sancionatória (artigo 156, § 1º), a obrigatoriedade de condução unificada de processos que envolvem indícios de infração contratual e infração à Lei Anticorrupção (artigo 159, caput), a desconsideração da personalidade jurídica na esfera administrativa (artigo 160), a necessidade de regulamentar múltiplas responsabilizações pelo mesmo comportamento infrativo em relação a vários contratos (artigo 161, parágrafo único) e a prescrição quinquenal (artigo 158, § 4º).

Esse breve panorama evidencia que o impacto da nova LLIC sobre os instrumentos concessórios não se circunscreve às tímidas modificações inseridas nos textos das Leis Gerais de Concessões e de PPP. Se bem compreendida, a determinação de aplicação subsidiária prevista no art. 186 da Lei 14.133 terá impactos muito expressivos. Em boa medida, esse dispositivo permite alinhar os instrumentos concessórios às preocupações com integridade na administração pública e promoção do desenvolvimento nacional sustentável. Ao mesmo tempo, gera benefícios em termos de previsibilidade e segurança na solução de conflitos concessórios, reequilíbrio e apuração de infrações.

Por Thiago Marrara

Fonte: Consultor Jurídico (conjur.com.br)


Concessões de Serviços Públicos e Parcerias Público-Privadas (PPP)

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