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Os termos de ajuste de conduta da ANATEL e da ANTT na visão do TCU

Publicado em: 16/02/2018 11:02 | Atualizado em: 16/02/2018 11:02

Os termos de ajuste de conduta da ANATEL e da ANTT na visão do TCU

Análise de alguns dos parâmetros de controle adotados pelo TCU

Introdução

No fim de 2017, o Plenário do Tribunal de Contas da União examinou em duas oportunidades termos de ajuste de conduta celebrados por agências reguladoras. No acórdão 2.121/17 – relatado pelo Ministro Bruno Dantas e tratado pelo próprio Tribunal como leading case –, houve aprovação de TAC celebrado pela ANATEL, enquanto que no acórdão 2.533/17, relatado pelo Ministro Walton Alencar Rodrigues, a Corte reprovou termo firmado pela ANTT.

Os dois casos apresentam premissas relevantes a respeito do cabimento e do conteúdo dos ajustes de conduta, que podem ser aplicadas para outras situações envolvendo esses instrumentos negociais, celebrados por agências reguladoras ou por outras entidades administrativas. O presente texto trata de alguns dos parâmetros de controle adotados pelo TCU nos casos referidos.

A qualificação e o fundamento jurídico dos ajustes de conduta

Em ambos os julgados, o TCU reconheceu o caráter bilateral dos ajustes de conduta e manifestou posicionamento claro a respeito da ampla admissibilidade desses instrumentos no exercício das competências administrativas sancionatórias. Foi invocado o permissivo geral previsto no art. 5º, § 6º, da Lei 7.347/85 (“Os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais, mediante cominações, que terá eficácia de título executivo extrajudicial”).

Especificamente no tocante à celebração de ajustes de conduta no âmbito dos contratos de concessão, o acórdão 2.533 admitiu que, em conjunto com o art. 5º, § 6º, da Lei 7.347/85, as competências gerais atribuídas à ANTT – para fazer cumprir as condições contratuais e aplicar penalidades, bem como harmonizar interesses e arbitrar conflitos nas concessões submetidas à agência (arts. 20, II e 24, VII, da Lei 10.233/01) – são suficientes para possibilitar a adoção do ajuste bilateral. Com isso, afastou-se a alegação sobre a necessidade de lei específica ou de decreto regulamentador como pressuposto para a celebração dos termos de ajuste de conduta.

A rigor, observadas as restrições legais expressas, pode-se afirmar que não há uma vedação a priori a que o poder público utilize instrumentos convencionais para interagir com particulares, mesmo ao exercitar competências tipicamente unilaterais. Em termos práticos, ao observar a permissão geral acima referida, o entendimento do TCU propicia resultado equivalente.

A posição acerca do cabimento dos acordos

Outro ponto diz respeito à abordagem do Tribunal sobre o cabimento dos ajustes. O entendimento foi o de que esses instrumentos negociais podem ser utilizados de forma complementar ao sistema sancionatório tradicional, na medida em que se revelem em tese aptos a serem mais efetivos para atender os objetivos de cumprimento de certas obrigações ou de reparação de danos. É o que, em particular, foi destacado a propósito de inúmeras multas de elevada monta da ANATEL que, por variadas razões, não chegam a ser satisfeitas.

Assim, segundo o acórdão 2.121, o consenso em tornos das obrigações assumidas pode aumentar “as chances de cumprimento dos compromissos acordados, com possibilidade real de correção/cessão das condutas danosas”, ao tempo em que resulta na “eliminação dos elevados custos de carregamento desses processos [sancionatórios] ao longo dos anos de suas existências, substituindo os efeitos nocivos da litigância administrativa e, eventualmente, judicial, recorrente e duradoura, por um termo objetivo e consensual”.

O Tribunal não delimitou hipóteses de utilização dos ajustes. Limitou-se a referir à persecução da eficiência como critério definidor de cabimento, a ser demonstrado na motivação que justifica a celebração do ajuste. Conforme o acórdão 2.121, os ajustes constituiriam “medida excepcional”, a ser manejada sob “motivação demonstrando a presença do interesse público na aceitação desta permuta”. O acórdão 2.533 indica que a celebração do ajuste deve ocorrer com “a demonstração da vantagem de sua assinatura para a Administração, em contraponto à regular aplicação das sanções administrativas ordinárias”.

Isso não significa que a celebração do ajuste de conduta compreenda apenas o atendimento dos interesses ditos públicos. Essa premissa, como observado pela Corte de Contas, seria incompatível com a própria lógica dos ajustes, visto que esse tipo de ato – de caráter bilateral – pressupõe atender também os interesses privados envolvidos no caso. Se o poder público pretende obter determinado resultado e depende da participação voluntária do particular interessado, é necessário que haja incentivos (vantagens) para que este assuma os compromissos pretendidos para atender os fins públicos.

Portanto, a questão não diz respeito a se os interesses privados deverão ser observados, mas em que medida eles deverão sê-lo. Do mesmo modo, não se trata de presumir a supremacia de um dado interesse dito público sobre o interesse privado envolvido, mas de eleger a forma de atuação mais adequada a operacionalizar a relação que se põe entre a Administração e o particular. A resposta eficiente que se espera dos ajustes de conduta diz respeito à coexistência dos interesses e ao equilíbrio do ajuste, tema este que remete ao seu conteúdo, isto é, às obrigações que podem ser estabelecidas.

As obrigações e a (a)tipicidade das medidas estabelecidas

Merecem destaque algumas conclusões do TCU a respeito das obrigações estabelecidas e do modo em que foram previstas.

A propósito do TAC da ANATEL, discutiu-se a validade do Índice Geral da Qualidade (IGQ), que foi previsto como instrumento para controlar o cumprimento das obrigações previstas no TAC. A controvérsia dizia respeito ao fato de tal índice não estar nominalmente previsto na regulamentação da Agência, embora resulte de outros indicadores já regulamentados. Diante disso, o TCU reputou não haver inovação e, reconhecendo em tal indicador uma opção gerencial possível, concluiu pela legitimidade da previsão.

Embora no caso se tenha reconhecido que não houve inovação, a discussão é relevante. Como acima referido, o TCU reconheceu que a autorização geral do art. 5º, § 6º, da Lei 7.347/85 é suficiente para viabilizar os ajustes de conduta. Como consequência, deve-se admitir que nem sempre haverá regulamentação estabelecendo, de forma sistemática, expressa e exaustiva, as obrigações passíveis de serem estabelecidas via TAC.

Nesses casos, há de se reconhecer limites, mas também a existência de certa espaço para flexibilidade na definição das obrigações a serem ajustadas. Como a própria via negocial é, ela própria, um reflexo da autonomia existente sobre os meios (autonomia quanto à forma, unilateral ou bilateral, de persecução eficiente dos fins públicos), cabe admitir certa autonomia quanto aos meios materiais (i.e., as obrigações estabelecidas) para atingir as finalidades que norteiam o exercício da competência administrativa envolvida, dentro dos limites específicos derivados da disciplina aplicável em cada caso.

Desse modo, pode-se conceber a existência de espaços de autonomia administrativa quando se põem alternativas equivalentes de escolha, mesmo porque a diversidade de situações enfrentadas pode recomendar que a definição da contrapartida exigível ocorra segundo as especificidades do caso concreto. Assim e por exemplo, ao lado do oferecimento de contrapartidas de natureza financeira, em regra seria possível admitir a exigência alternativa de obrigações de fazer e/ou de não fazer frente ao particular (art. 68 da Lei 9.784/99).

Por outro lado, ao considerar reprovado o TAC celebrado pela ANTT, o Tribunal procurou delinear no acórdão 2.533 limites materiais mais específicos para o conteúdo do ajuste. Concluiu-se pelo descabimento de ajustes que “não prevejam medidas compensatórias para as infrações praticadas e apenas contenham, como cominação pelo descumprimento das obrigações pactuadas, a instauração de processo administrativo para apuração das responsabilidades e aplicação das penalidades cabíveis”.

Ainda nos termos do julgado, “a escolha pelo acordo substitutivo não pode ser realizada à custa de mera assunção ou diminuição das obrigações ordinárias já estabelecidas em contrato de concessão, mas deve estar fundada no compromisso de o concessionário assumir obrigações extraordinárias…”.

Como se vê, o TCU considerou que o TAC não pode operar como via de anistia ou para, pura e simplesmente, reduzir as obrigações contratadas. Até é possível que isso ocorra, desde que mediante contrapartidas aptas a justificar a solução – daí a alusão, pela Corte, à previsão de “obrigações extraordinárias”.

Mas é necessário ter cautela com a afirmação sobre a possibilidade de atribuir ao particular “obrigações extraordinárias”. A ausência de regulamentação – ou mesmo o seu caráter genérico – não pode servir como pretexto para o ente estatal utilizar o ajuste para perseguir fins que, ainda que em si legítimos, sejam alheios à competência concretamente exercida. As obrigações devem estar relacionadas com o escopo da relação jurídica havida e devem ser compatíveis com as obrigações contratuais ou regulatórias descumpridas, que justificaram o acordo. O TAC não constitui oportunidade para coagir o particular a assumir encargos incompatíveis com aqueles originalmente assumidos. De outro modo, restará caracterizada típica hipótese de desvio de finalidade.

Os parâmetros de controle aplicáveis

As decisões apresentam mensagens não propriamente unívocas no tocante ao exercício do controle externo sobre os ajustes de conduta.

O acórdão 2.121 esboçou o entendimento de que o TCU deveria adotar postura de autocontenção ao examinar o conteúdo dos ajustes: “não se pode analisar o instrumento sob a ótica puramente burocrática, permeada por regras procedimentais e controles-meio. (…) há que se ter alguma cautela no controle dos acordos porquanto a atividade negocial pressupõe maior espaço de discricionariedade do agente público. Todavia, se o controle externo impuser rígido controle burocrático poderá minar o instrumento (…)”.

Já no acórdão 2.533, o TCU determinou que a ANTT “dê continuidade ao processo de elaboração da nova resolução que regulamentará a celebração de Termos de Ajuste de Conduta (TACs) no âmbito da agência (objeto da audiência pública ANTT 10/2017), a fim de estabelecer critérios mais rigorosos para celebração dos referidos acordos substitutivos”.

Essas posições revelam certa ambiguidade. Se o Tribunal pretendeu reservar a possibilidade de emitir juízo sobre a própria política geral que a ANTT estabelecerá, poderá fazer o mesmo no tocante ao conteúdo de cada ajuste.

Consideração final

As decisões do TCU confirmam a autonomia administrativa para definir as formas jurídicas mais adequadas em cada caso e a aptidão dos ajustes bilaterais para contribuir com o aprimoramento da atuação administrativa e dos resultados por ela alcançados. Trata-se de sinalização positiva para a celebração dos acordos. No entanto, a efetividade desses mecanismos dependerá da forma como serão empregados e também das garantias que ambos os polos da relação terão, no que se inclui a segurança jurídica em torno do ajuste. Este último aspecto, por sua vez, dependerá essencialmente da postura que os órgãos de controle externo manifestarão diante desses atos.

Guilherme F. Dias Reisdorfer – Mestre em Direito do Estado pela Universidade de São Paulo, Advogado

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