PARR: procedimento administrativo ou processo?
Cleyber Correia Lima
A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) publicou no DOU de 19/09/2017 a Portaria PGFN 948, de 15 de setembro de 2017, que regulamenta o “Procedimento Administrativo de Reconhecimento de Responsabilidade – PARR”. De acordo com o art. 1o da Portaria, o “procedimento” será para apurar a existência de responsabilidade de terceiros em caso de dissolução irregular de pessoa jurídica devedora de créditos inscritos em dívida ativa e administrados pela PGFN.
Dentre alguns pontos de discussão dessa Portaria, o termo “procedimento” é o primeiro a chamar atenção, especialmente por ter sido escolhido já para o nome do instituto criado. Embora possa aparentar um debate meramente teórico, a confusão entre procedimento e processo administrativo tem implicações práticas relevantes, a começar pela aplicação da Lei 9.784/99, que regula os processos administrativos da Administração Pública Federal.
Mas, antes, é necessário apenas fixar a singela premissa de ser o procedimento mera “forma de organização dos atos que compõem o processo”[1]. A palavra procedimento leva à ideia de sequência de atos praticados unicamente pela administração, sem previsão de contraditório e ampla defesa. O processo, por sua vez, traz o sentido da bilateralidade dos atos de fala, ou seja, a possibilidade de manifestação da parte interessada em contraditório. Em matéria tributária, procedimento seria a sucessão de atos até o lançamento do tributo. Havendo manifestação do contribuinte nesta sequência, ter-se-á a formação do processo, com a aplicação de todos os princípios e regras fundamentais à garantia de participação do interessado.
Diante do arcabouço teórico, não soa natural chamar de procedimento algo criado para a solução de verdadeiro conflito entre a administração e o particular, e que poderá resultar em decisão com ônus significativo ao terceiro responsabilizado. Mas apesar da falta de harmonia na designação do instrumento jurídico criado, o art. 9o da Portaria 948/17 prevê a necessidade de observar as regras contidas na Lei 9.784/99.
Retomando as implicações práticas da confusão de termos, os problemas se iniciam com as inconsistências de alguns pontos da Portaria com a Lei. O primeiro deles é a previsão de julgamento por Procurador da Fazenda Nacional (arts. 5o e 6o da Portaria).
Apesar da tentativa criativa de atribuir o dever de julgar a procurador não responsável pela cobrança, a regra de impedimento contida no art. 18, II da Lei 9.784/99 possui efeitos prospectivos, na medida em que detalha estar impedido de atuar o servidor ou a autoridade que “venha” a participar como representante da administração. Assim, o procurador julgador estará impedido de atuar em qualquer execução fiscal contra a pessoa jurídica devedora e o terceiro responsabilizado, ainda mais diante da possibilidade de replicação dos efeitos da decisão sobre todos os débitos fiscais inscritos em dívida ativa ou que vierem a ser (art. 7o, § 1º da Portaria).
A segunda problemática é identificada no aparente conflito entre a ampla dilação probatória prevista na Lei e a redução da participação do interessado à impugnação acompanhada de documentos, prevista na Portaria. A Lei 9.784/99 garante a apresentação de alegações finais, produção de provas, requerimento de diligências etc. (art. 2o, X e art. 38). Já a Portaria opta por procedimento enxuto, com manifestação única do interessado antes da decisão de 1o grau e sintetiza a produção de prova à apresentação documentos. Mas se houver requerimento de diligência, com a finalidade de demonstrar a regularidade da atividade empresarial e afastar o indício de dissolução irregular? Apesar de não haver resposta na Portaria, entendemos imprescindível observar a Lei 9.784/99 e a garantia do devido processo legal. Não que a autoridade julgadora seja obrigada à realização de diligência. Mas deve, necessariamente, se posicionar quanto ao pedido do interessado e fundamentar sua decisão, em especial quando a decisão final for pela responsabilização do terceiro grupo orzil..
Também merece atenção o art. 27 da Lei 9.784/99, que afasta a possibilidade de revelia no processo administrativo. Para o dispositivo, a inércia do interessado não importa no reconhecimento da verdade dos fatos, nem a renúncia a direito pelo administrado. A regulamentação do PARR não trabalha com a ausência de manifestação do terceiro. Além de ser completamente silente quanto ao não comparecimento do interessado, prevê a intimação em apenas dois atos: primeiro por carta com aviso de recebimento e, se frustrada, haverá publicação oficial (art. 3o, caput e § 1º). Em contrapartida, os §§ 3º e 4o, do art. 26 da Lei 9.784/99 determinam a intimação por “meio que assegure a certeza da ciência do interessado” e a intimação por meio de publicação oficial apenas “No caso de interessados indeterminados”. Tudo isso leva à conclusão de provável inutilidade do PARR sem participação do terceiro responsabilizado frente ao Judiciário.
Não nos parece coerente defender a inclusão do terceiro na CDA e/ou na execução fiscal como responsável tributário a partir de participação tácita em contraditório de terceiro não indeterminado, supostamente intimado do processo administrativo de responsabilização por publicação oficial. Nesse caso, o caminho mais acertado continuará a ser o pedido fundamentado de redirecionamento da execução, quiçá com a necessidade de instaurar incidente de desconsideração da personalidade jurídica.
Outros pontos de discussão da Portaria PGFN 948/17 serão abordados nas próximas publicações. Por ora, trazemos a conclusão de ser o PARR processo administrativo, sujeito, portanto, aos dispositivos da Lei 9.784/99. Assim, (i) a Fazenda deve ter especial atenção nas movimentações de pessoal e às regras de impedimento da autoridade julgadora; (ii) as regras e princípios de garantia do contraditório e da ampla defesa devem ser observadas, inclusive com a possibilidade de diligências suscitadas pelo interessado; e (iii) a impossibilidade de revelia e fragilidade da intimação por meio oficial não afastará a necessidade de prova concreta da dissolução irregular e nem do contraditório na execução fiscal.
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[1] CONRADO, PAULO CESAR. Execução Fiscal. 2ª edição. São Paulo: Noeses, 2015. P. 137.
Cleyber Correia Lima – Aluno do Mestrado Profissional em Direito Tributário da FGV Direito SP e membro do Núcleo de Direito Tributário da mesma Instituição. Pós-graduado em Direito Tributário pelo IBET. Sócio do escritório Couto & Correia Advogados Associados.
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